segunda-feira, 7 de maio de 2012


Opinião pública: proposta de discussão conceitual

                                                                           Maurício Siaines  [1]

A palavra “opinião” tem sido traiçoeira, especialmente desde que Pierre Bourdieu declarou que a opinião não existe[2]. O artigo de Bourdieu, porém, era uma crítica à postura de atribuir-se às pesquisas de opinião um valor que elas não têm como instrumentos da ciência social, além de criticar o pressuposto de que todas as pessoas têm uma opinião racionalmente refletida e verificada.

“O sociólogo [Pierre Bourdieu] mostrava que a pesquisa de opinião (...) postulava, o que está longe de ser empiricamente verificado, a saber: todos os indivíduos têm uma opinião, colocam-se a questão que lhes é formulada (ou, pelo menos, são capazes de se colocarem tal questão) e, enfim, todas as opiniões são equivalentes do ponto de vista social”[3]

Existe, no entanto, um fenômeno social, que às vezes é chamado de opinião, às vezes de tendência, às vezes considerado como uma inclinação, que vale a pena ser estudado e que, por deferência ao hábito consagrado, será chamado aqui de opinião, ou opinião pública.
O primeiro conceito de opinião aqui considerado foi definido por Jean Jacques Rousseau, quando se gestavam idéias e visões de mundo que orientaram o processo histórico chamado de Revolução Francesa, ou seja, quando nascia o mundo contemporâneo. Discutindo as espécies de lei que regem a vida política e as relações entre os cidadãos, Rousseau diz o seguinte:

A essas três espécies [de lei] se junta uma quarta, de todas a mais importante, que não se esculpe no mármore, ou no bronze, mas sim no peito dos cidadãos; que forma a verdadeira constituição do Estado; que todos os dias medra em forças; que reanima e supre as outras leis quando elas envelhecem e se apagam; que conserva um povo no espírito de sua instituição, e insensivelmente substitui a força do hábito à força da autoridade. Falo dos costumes, usos e mormente da opinião, parte desconhecida de nossos políticos, e da qual depende o acerto de todas as outras; parte de que o grande legislador se ocupa em segredo, enquanto parece limitar-se a estatutos particulares, que são unicamente o arco das abóbada, da qual os costumes, lentos em nascer, formam finalmente a duradoura chave.[4] 

O objetivo deste artigo é refletir sobre o processo de formação da opinião coletiva, isto é, nas palavras de Rousseau, sobre o modo como ela “(...) se esculpe no peito dos cidadãos (...), tentando entender sua lógica e que caminhos percorre. Embora seja coletiva, é difícil abordar a opinião somente com a perspectiva social. Tratá-la somente como algo individual traz também limitações. Trata-se de fenômeno que acontece no limite entre o individual e o social.
Iniciando a discussão, consideremos da seguinte definição de opinião:

(...) As opiniões podem ser adquiridas de muitas maneiras, dentre as quais as deduções lógicas a partir de premissas objetivas ou observações empíricas constituem, por vezes, apenas um fator. Muitos sustentam suas opiniões por hábito, ou as aceitam com base na autoridade dos outros. O requisito essencial é que em seu conteúdo interno elas sejam compatíveis com alguma interpretação defensável de dados públicos, e que possam ser obtidas pelos processos normais da razão.
Sejam formuladas ou adquiridas, as opiniões têm suas raízes no conceito afim de atitude. Uma opinião pode, de fato, ser descrita como uma atitude expressa, talvez modificada pela necessidade de lhe dar uma expressão irretorquível. A própria atitude é outra idéia complexa na qual certos elementos comuns participam de dezenas de definições detalhadas. O primeiro ponto é que atitudes são estados mentais internos, refletidos na inclinação a responder a estímulos externos de maneira favorável ou desfavorável. As atitudes consubstanciam uma avaliação básica do mundo – uma combinação de crenças acerca da “realidade”, em conjunto com julgamentos morais de aprovação ou desaprovação, simpatias e aversões.
Não existe correlação exata entre o conjunto de atitudes de um indivíduo e a sua opinião expressa a respeito de uma situação específica. Isso porque a opinião pronunciada pode derivar de duas atitudes possivelmente conflitantes – uma em relação ao próprio estímulo e a outra às circunstâncias em que deve ser expressa.[5]

Esta definição se faz nesse limite entre indivíduo e sociedade, o que leva à pergunta se há oposição entre um e outro, entre indivíduo e sociedade. Pode-se dizer que um indivíduo pode raciocinar da seguinte maneira: “deparo-me com esta questão em diferentes circunstâncias e, quando penso que encontrei uma equação adequada para resolvê-la, como um fantasma, ela aparece outra vez sob nova forma. Tenho uma explicação para tal dificuldade: estou completamente envolvido na questão, uma vez que eu, sujeito do discurso que pretende ter essa relação como objeto, estou completamente envolvido por ela, já que sou um indivíduo vivendo inúmeras relações sociais, isto é, faço parte do objeto”. Assim, é muito forte a tendência a tratar a questão como um (pré) conceito e não como um objeto, o que leva a redundâncias, a caminhos recorrentes.

Indivíduo e sociedade
Existe a complexidade da discussão da relação entre indivíduo e sociedade, embora ela se esconda, às vezes atrás de banalizações e preconceitos. Cabe, pois, aqui recorrer ao tratamento dado à questão por alguns pensadores.
a) A psicanálise e a sociologia
Norbert Elias começa a esclarecer essa questão, com recurso à psicanálise, quando mostra que a oposição entre indivíduo e sociedade é uma impressão que se vive como uma tensão entre “os desejos do indivíduo parcialmente controlados pelo inconsciente e as exigências sociais representadas por seu superego”[6]. Ou seja, a contradição é ilusória, uma vez que indivíduo e sociedade são indissociáveis. O indivíduo, a partir de circunstâncias sociais e históricas em que se percebe sujeito, tende a considerar o que está fora de si como objeto, inclusive a sociedade.
Elias entende a sociedade como uma espécie de tecido cujos fios estão em movimento e se atam, desatam e tornam a atar-se. E essa rede é um fato externo ao indivíduo, no sentido em que ela existe antes de qualquer indivíduo, mas que só pode existir em função dos indivíduos porque são eles que permanentemente a recriam.
Analisando a história de vida do compositor austríaco Wolfgang Amadeus Mozart (1756 - 1791), Elias aplica esse modo de entender a relação humana, trazendo resultados importantes. Descreve como a música lhe é ensinada quase que desde sua vida intra-uterina. Em seguida, interpreta a maneira como Mozart sublima suas energias para a produção musical. Mas qual música? Aí começa a questão.
A música deveria ser aquela adequada à sociedade de corte, atender ao gosto dos aristocratas, que protegiam e empregavam os artistas. Mas o dom artístico de Mozart leva-o por outros caminhos.
Aqui cabe um parêntese para discutir o que vem a ser dom. É como se fosse um código que conduzisse a sublimação[7] de energias de uma determinada maneira, com um determinado objeto, usando determinado material. O dom, diz Elias, seja o de um gênio como Mozart ou o de uma pessoa comum, é fato social [8]. Essa maneira como a energia do indivíduo é conduzida é socialmente construída.
Mozart deseja que seu dom artístico seja reconhecido pela corte vienense. Ambiciona o reconhecimento da corte e, não o conseguindo, frustra-se mortalmente, embora existissem outras possibilidades de vida como músico.
O empenho de Mozart era por deixar de ser um outsider. Pretendia ser um músico autônomo, não dependente da corte. Dizer que aspirava ser um músico burguês é correr o risco de cair em uma grande simplificação. Usando expressão de Bourdieu [9], há uma homologia entre o campo da arte e o da luta de classes. A luta de Mozart era homóloga à da burguesia em sua luta com a aristocracia.
Elias diz que pretende evitar a “fórmula pré-fabricada” da interpretação da ascensão da burguesia como “decorrência de uma necessidade interna do desenvolvimento social” porque a maneira mecânica como essa interpretação tem sido aplicada tem levado a perda de vista da complexidade dos acontecimentos reais[10].

b) Materialismo dialético

Outra contribuição ao debate da questão da relação entre indivíduo e sociedade é a de Gueórgui Valentínovitch Plekhánov, pensador marxista, fundador do Partido Operário Social-Democrata Russo. O líder da Revolução Russa de 1917, Vladimir Ilich Lênin, teve reconhecidamente em Plekhánov um mentor intelectual, de quem se afasta politicamente em 1903, quando, no segundo congresso do partido, acontece a ruptura entre mencheviques e bolcheviques, colocando-se os dois em facções diferentes. Esta diferença, no entanto, não impediu que Lênin reconhecesse publicamente a importância que Plekhánov tivera na formação dos marxistas russos, mesmo tendo ele se oposto à revolução de 7 de novembro de 1917.
No Brasil, antes de 1964, a Editora Vitória, ligada ao Partido Comunista Brasileiro, publicou um livro com dois ensaios de Plekhánov, com o título do primeiro deles: Concepção materialista da história. O segundo ensaio era O papel do indivíduo na história, escrito em 1896.
Toda esta introdução para falar de Plekhánov se justifica principalmente porque se trata de pensador importante, anterior às banalizações do pensamento marxista produzidas a partir do período stalinista.
Plekhánov [11] fala em uma lógica das relações sociais, que condiciona os homens a pensar, sentir e agir de determinada maneira. Essas relações estão sujeitas a transformações dotadas de sentido criado pelas mudanças nos processos econômico e social de produção. Entender esse sentido é a principal missão do indivíduo que deseja transformar a sociedade, é ter a consciência da necessidade do fenômeno [12].
Plekhánov quando apresenta essas reflexões considera apenas o indivíduo que quer fazer história, modificar a sociedade, o militante revolucionário ou o estadista. Não trata do indivíduo comum ou do artista, que também estão dentro daquelas relações sociais.
Depois de Plekhánov o indivíduo foi pouco levado em conta pelo marxismo. Para parcela considerável da opinião marxista, pensar a individualidade tangenciou a heresia.

c) Ilusão, habitus, individualidade
Na discussão da relação entre indivíduo e sociedade, é interessante considerar as reflexões de Pierre Bourdieu a respeito dos problemas que podem surgir do crédito irrestrito às histórias de vida como fonte de conhecimento histórico e social. Diz ele que a sociedade dispõe de “instituições de totalização e de unificação do eu” [13], que constroem a ilusão de um eu monolítico. Assim, os relatos biográficos e principalmente os autobiográficos tendem a construir uma continuidade, quando na realidade o que há é descontinuidade.
O nome próprio é uma dessas instituições de unificação do indivíduo, através de uma constância. Seja em que circunstância for, o indivíduo tem o mesmo nome, o que se opõe à “pluralidade dos mundos” em que aquela identidade se dá.
A atribuição de um sentido a acontecimentos biográficos pode ser uma fantasia que tem por finalidade reforçar o habitus em que o indivíduo está imerso; a criação de uma história de vida de si próprio obedece às mesmas regras da constituição do habitus, o conjunto de disposições adquiridas, maneiras duráveis de ser ou de fazer, que se encarnam nos indivíduos. Estes são corpos socializados, uma das formas de existência da sociedade, estando o coletivo dentro de cada indivíduo sob a forma de disposições interiores duráveis.[14]
Com o conceito de habitus, constrói-se a relação entre indivíduo e sociedade. Para o melhor entendimento dessa relação, porém, outro conceito precisa ser associado ao de habitus, o de campo: mercado de bens simbólicos, espaço de jogo ou de luta, onde questões definidas se colocam. Pode-se falar, assim, em campo político, campo jurídico, campo artístico, campo das trocas de afetos etc. Um indivíduo atua em diversos campos, com características próprias. Pode-se dizer que o indivíduo é o resultado da interseção específica de diversos campos. E cada interseção de diversos campos é única.
Habitus é o sistema de disposições ajustado ao jogo que acontece no campo, sendo o sentido do jogo. Assim, não haveria jogo e, conseqüentemente, não haveria campo, se não existisse habitus. Campo e habitus são dois conceitos que só fazem sentido associados um ao outro, dando conta da dinâmica social.
Elemento importante na constituição e reforço do habitus é o discurso, especialmente aquele feito mais para si próprio. O discurso, embora se dirija a um receptor diferente do emissor, também é feito deste para si próprio.

“As leis que regem a produção dos discursos na relação entre um habitus e um mercado se aplicam a essa forma particular de expressão que é o discurso sobre si; e o relato de vida varia, tanto em sua forma quanto em seu conteúdo, segundo a qualidade social do mercado no qual é oferecido – a própria situação da investigação contribui inevitavelmente para determinar o discurso coligido”[15]

d) Trabalho ético e prática de si
        Michel Foucault é outro importante autor a tratar da relação entre indivíduo e sociedade. Diz que as normas de conduta são externas e anteriores ao indivíduo, que trabalha sobre si próprio para amoldar-se mais ou menos às normas.
Foucault chama de modo de sujeição à maneira peculiar como cada indivíduo se relaciona com a norma. Introduz também o conceito de trabalho ético, que é o esforço em sobre si próprio no sentido “não somente para tornar seu próprio comportamento conforme a uma regra dada, mas também para tentar se transformar em sujeito moral de sua própria conduta”[16].
A realização desse trabalho ético é possível porque se apóia em práticas de si, que fazem parte da lida do indivíduo com seus desejos e suas pulsões, tentando controlá-los ou deixando-os realizarem-se.[17]

Três conceitos básicos
         Estabelecidas as bases desta relação entre indivíduo e sociedade, há três conceitos a serem definidos. O primeiro deles é o de racionalização, definido por Ernest Jones, em 1908, adotado por Sigmund Freud. Trata-se de mecanismo de defesa do indivíduo que, em um processo inconsciente, quer evitar que sejam revelados seus desejos e suas pulsões, que ele próprio rejeita e condena, em acordo com os valores existentes em seu meio social. O mecanismo de controle é a produção de um discurso racional e lógico, adequado àquilo que o indivíduo quer que seja sua verdade interior, reprimindo o que é condenado [18]. A racionalização é uma atitude, isto é, uma configuração interior do indivíduo que o prepara para uma ação. Quando o indivíduo se encontra no interior de uma estrutura em que haja hierarquia, produzirá discurso lógico e racional que o amolde a ela, ao discurso do chefe, preparando-se para agir de acordo com a estrutura. O indivíduo pode também reverenciar outro, mesmo que ambos não estejam em uma relação com hierarquia definida.
         A racionalização dentro do processo social é tratada por Norbert Elias[19], que diz ser mais exato, em vez de razão ou racionalidade, falar-se em diferentes modos de racionalização praticados por diferentes culturas. Isto é, cada formação cultural enseja ao indivíduo um modo peculiar de lidar com emoções, desejos e pulsões, desenvolvendo nele um conjunto de atitudes que contribuam para a preservação da ordem social. E neste processo de racionalização existe tensão resultante do esforço do indivíduo por amoldar-se a algo, criando discurso racional que justifique seu modo de agir socialmente.
Essa idéia de o indivíduo justificar para si próprio seu modo de agir socialmente também é, pelo menos, complementar à de Michel Foucault, quando fala de prática de si e de trabalho ético.
Émile Durkheim já havia se preocupado com questão parecida quando abordou a imitação[20]. Disse o seguinte:

Em algumas ocasiões, dentro de um mesmo grupo social, cujos elementos estão submetidos à ação de uma mesma causa ou de um conjunto de causas semelhantes, produz-se entre as diferentes consciências uma espécie de nivelamento em virtude do qual todos pensam e sentem em uníssono. Ora, com muita freqüência se tem dado o nome de imitação ao conjunto de operações resultantes desse acordo. A palavra designa então a propriedade que têm os estados de consciência, experimentados simultaneamente por certo número de sujeitos diferentes, de agir uns sobre os outros e de se combinar entre eles de maneira a dar origem a um estado novo. [21]

         Durkheim se referiu também “(...) à necessidade que nos impele a nos posicionar harmoniosamente com a sociedade de que fazemos parte e, nesse sentido, adotar as maneiras de pensar e de agir generalizadas à nossa volta” [22].
        Outro aspecto do relacionamento entre indivíduo e grupo, semelhante ao que Durkheim chamou de imitação, acontece no processo de formação de opinião e no uso desta para a ação. Há uma linha de pensamento no estudo das tendências de comportamento, de consumo e preferências eleitorais que alimenta esta discussão. É a concepção de que se forma a espiral do silêncio pela omissão de opinião por parte de indivíduos que não desejam contrariar aquilo que supõem ser a opinião dominante do grupo de que fazem parte. A idéia de espiral deriva da constatação de que acontecem omissões sucessivas, com manifestações de opiniões em que se acredita serem as do grupo, afastando-se o indivíduo cada vez mais daquilo que realmente pensa, construindo-se, assim, um conjunto de crenças e tendências baseadas em um silêncio, formado pela repressão de algo que o indivíduo vislumbra em si próprio mas que não deseja manifestar, pelo temor se sofrer censura ou rejeição por parte do grupo. Elisabeth Noelle-Neumann explica o fenômeno pelo medo que se instala no indivíduo diante da ameaça de ficar isolado por ter uma opinião desviante daquilo que acredita ser a tendência do grupo[23]. Realizou pesquisas de opinião em diversas campanhas eleitorais, em que, além da pergunta “Em quem você pretende votar?”, apresentava outra, “Quem você acha que vai ganhar a eleição?”. Verificou que, à medida em que se aproximavam os dias das votações, maior numero de pessoas dava a mesma resposta para as duas perguntas. Isto significa que, quando se aproxima o dia das eleições, número significativo de eleitores aderem à candidatura que promete nas sondagens de opinião ser vitoriosa na votação.
        Noelle-Neumann, vem estudando o fenômeno da opinião pública, tendo apresentado suas conclusões pela primeira vez, no 20º Congresso Internacional de Psicologia, realizado em Tóquio, em agosto de 1972. Mais tarde, em 1993, publicou pela Universidade de Chicago A espiral do silêncio - opinião pública: nossa pele social.
       O que aconteceu no referendo realizado no Brasil, em 2005, a respeito da comercialização de armas de fogo pode ser explicado pela espiral do silêncio. A opção pela não proibição da comercialização cresceu de 49% a 64% na última semana de campanha. Em pesquisa do Ibope, do dia 15 de outubro, o não vencia por 49% a 45%[24].  No sábado, 22 de outubro, véspera da votação, o mesmo Ibope dava a vitória ao não por 51% a 41% dos votos[25], enquanto, para o Datafolha, a vantagem era de 57% a 43%[26]. O resultado da votação do dia 23 de outubro deu a vitória ao não por 64% a 36% dos votos.  Foi um salto muito grande, em pouco tempo, para ser explicado apenas pelo convencimento dos eleitores por argumentos racionais apresentados pelos defensores do não.
        Há complementaridade entre os estudos de Elisabeth Noelle-Neumann e as formulações de Norbert Elias, quando este trata do que chama imagem reticular. Elias diz que, nas relações sociais, cada indivíduo traz dentro de si uma representação do outro, com que dialoga interiormente. Trata-se do fenômeno de um indivíduo colocar outro em seu diálogo interior, a partir da relação social. Neste processo, um indivíduo se transforma com a imagem reticular de outro e o fenômeno não pode ser explicado apenas pela estrutura do indivíduo, mas pela relação entre indivíduos. A imagem reticular está presente em todas as relações sociais[27].
         Concluindo, duas idéias fundamentais precisam ser marcadas: a opinião não é fenômeno apenas da razão humana e só pode ser entendida no limite entre o individual e o social, como interação destes dois aspectos. Os três conceitos aqui referidos, racionalização, espiral do silêncio e imagem reticular, são o ponto de partida para se definir melhor essa forma fantasmagórica chamada de opinião pública, que Gabriel Tarde considerou a alma do corpo social[28], abrindo-se caminhos de aprofundamento do entendimento do fenômeno.


[1] Jornalista, mestre em sociologia  (com concentração em antropologia) pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, professor da Universidade Candido Mendes – Campus Nova Friburgo.
[2] Pierre Bourdieu, 1973. L’opinion publique n’existe pas. Les Temps Modernes nº 318
[3] Patrick Champagne, 1998. Formar a opinião. Petrópolis, Vozes, p. 16
[4] Jean-Jacques Rousseau, (1762) 2004. Do contrato social. São Paulo, Martin Claret, p. 61 (grifo meu)
[5] Terence H. Qualter, 1993. Opinião. in Outhwaite, William & Bottomore, Tom, org., 1996. Dicionário do Pensamento Social do século XX. Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro.
[6] Norbert Elias, [1939] 1994. A sociedade dos indivíduos. Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, p. 53
[7] Termo da psicanálise que designa mecanismo de defesa do indivíduo em relação a suas próprias inclinações interiores. Através da sublimação, são canalizados os impulsos libidinais para uma postura socialmente útil e aceitável. Fonte: Psicanálise freudiana. http://fundamentosfreud.vilabol.uol.com.br/mecanismosdedefesa.html. É importante notar que esta postura é variável de acordo com a sociedade.
[8] Norbert Elias, 2001. Mozart, a sociologia de um gênio. Zahar, Rio de Janeiro, p. 54
[9] Pierre Bourdieu, 2000. O poder simbólico. Bertrand Brasil, Rio de Janeiro, p. 12 .
[10] Norbert Elias, 2001. Mozart, a sociologia de um gênio. Zahar, Rio de Janeiro, p. 28.
[11] G. Plekhánov, 1898. A propósito do papel do indivíduo na história in Plekhánov, G, 1987 Obras Escolhidas, Edições Progresso, Moscou, p. 346.
[12] Idem, p. 322.
[13] Pierre Bourdieu, 1986. A ilusão biográfica. in Ferreira, Marieta de Moraes e Amado, Janaína, Usos e abusos da história oral. Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, p. 186.
[14] Pierre Bourdieu, 1983. Questões de sociologia. Rio de Janeiro, Marco Zero, p.89
[15] Idem, p.188,189
[16] Michel Foucault, 1988. História da sexualidade – vol. 2 – o uso dos prazeres.  Rio de Janeiro, Graal, p. 28
[17] Idem, p. 27, 29.
[18] Jean Laplanche e J.B. Pontalis, 1998.  Vocabulário de psicanálise. Martins Fontes, São Paulo.
[19] Norbert Elias, [1939] 1993. O processo civilizador, vol.2. Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, p. 230.
[20] Émile Durkheim, [1897] 2003. O suicídio. Martin Claret, São Paulo, p. 112-122
[21] Idem, p. 112.
[22] Idem, p. 113.
[23] Elisabeth Noelle Neumann, 1993. The spiral of silence – Public opinion, our social skin – second edition . Chicago, The University of Chicago Press, p. 62.
[24] O Globo, 15.10.2005
[25] O Globo, 22.10.2005
[26] Folha de São Paulo, 22.10.2005
[27] Norbert Elias, [1939] 1994. A sociedade dos indivíduos. Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, p. 29
[28] Gabriel Tarde [1901] 2005. A opinião e as massas. Livraria Martins Fontes Editora, São Paulo, p. 59.

Comunicar X Fazer-se entender

Seja falando, escrevendo ou gesticulando, as pessoas se relacionam através da comunicação. A vida social só se torna possível devido aos diferentes sistemas de comunicação desenvolvidos pelo ser humano.
Entende-se, portanto, que a eficácia da comunicação é crucial para o sucesso de uma organização social, empresarial ou política.
Segundo Chiavenatto (2002), comunicação "é a troca de informações entre indivíduos. Significa tornar comum uma mensagem ou informação. Constitui um dos processos fundamentais da experiência humana e da organização social".
Para haver comunicação plena e eficaz existem elementos básicos do processo de comunicação que devem ser considerados. São eles:
*Emissor: aquele que fará a composição e emissão da mensagem;
*Canal: suporte material que possibilita veicular uma mensagem de um emissor a um receptor, através do espaço e do tempo;
*Mensagem: é o que esperamos comunicar ao receptor;
*Receptor: aquele que recebe a informação e decodifica;
*Ruído: todo o sinal indesejável que ocorre na transmissão de uma mensagem por meio de um canal.
É comum acreditar que o fato de um emissor utilizar um canal para enviar uma mensagem a um determinado receptor é um processo completo de comunicação. Contudo, a comunicação só pode ser considerada completa, eficiente e eficaz quando do entendimento por parte do receptor do significado da mensagem pretendido pelo emissor, ou seja, só há comunicação eficaz quando há pleno entendimento da mensagem emitida.
Por isso é muito importante o ajuste dos elementos canal e mensagem em relação ao receptor. Como, quando e quantas vezes o receptor precisa ter acesso à mensagem para captar e entender seu real significado? Esta é uma pergunta que deve ser feita toda vez que um processo de comunicação é elaborado.
Quando o receptor recebe e entende o significado da mensagem aparece o último e talvez o mais importante elemento do processo de comunicação: o feedback.
O feedback pode chegar ao emissor de diferentes formas (escrita, verbal, através de gestos ou atitudes) e o dará pleno conhecimento que sua mensagem foi devidamente captada pelo receptor. Caso contrário, seu processo de comunicação foi falho e deverá ser repensado e reiniciado, a fim de chegar com sucesso ao seu objetivo final: FAZER-SE ENTENDER!

Sidney Mathias
Graduado em Gestão de Negócios
Graduado em Comunicação Social, com habilitação em Publicidade
Pós-Graduado em Gestão de Negócios e Marketing
Mestrando em Economia Empresarial



APA ESTADUAL DE MACAÉ DE CIMA: PARAÍSO PERDIDO OU PRESERVADO?
Virgínia Villas Boas Sá Rego[1]
     “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do   povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o
dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (Constituição da República Federativa do Brasil; Artigo 225º).

                “As noções de importância, de necessidade, de interesses são mil vezes mais determinantes que a noção de verdade. Não, de forma alguma, porque elas a substituam,  mas porque medem a verdade do que digo”  (Deleuze).

INTRODUÇÃO
            Este trabalho pretende expor a situação atual do processo de implantação da Área de Proteção Ambiental (APA) de Macaé de Cima, unidade de conservação da natureza (UC) de uso sustentável[2], criada pelo Decreto estadual nº 29.213/2001, com cerca de 35 mil hectares,  abrangendo cerca de 40% do município de Nova Friburgo (RJ) (distritos de Lumiar, São Pedro da Serra e parte de Mury), na zona de amortecimento no entorno do Parque Estadual de Três Picos (PETP), a maior unidade de conservação estadual, à qual se sobrepõe parcialmente.
            Estas reflexões inserem-se no estudo de caso que está sendo desenvolvido para o curso de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente (PPGMA) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)[3], sobre os processos participativos envolvidos na gestão de duas APAs, criadas, dentre outros motivos, para proteger as nascentes da bacia hidrográfica do Rio Macaé (RJ): a já referida APA de Macaé de Cima e a APA do Sana (município de Macaé), que guardam entre si certa identidade geográfica, histórica e cultural. A partir da análise comparativa de duas configurações empíricas específicas, usando os métodos de investigação etnográfico, histórico e documental, o estudo procura responder à questão: Como certas coletividades vêm conseguindo construir instrumentos para efetivar sua “cidadania ambiental”[4], diante das forças ligadas ao Estado ou ao mercado?
             A investigação, partindo dos processos relativos às transformações que espaços locais, considerados “rurais” e convertidos em UCs pelo Poder Público,  vêm  sofrendo na sociedade contemporânea globalizada, pretende identificar o diálogo específico exercido por suas populações, entre os seus próprios segmentos e com outros atores sociais, nesse contexto. Busca levantar a percepção dos atores locais, especialmente dos “pequenos produtores rurais”, quanto ao que consideram ser “direito ambiental”, “participação” e “cidadania”, delineando as diferentes perspectivas envolvidas na implantação das UCs, cuja gestão,  deve ser  “participativa”[5] e viabilizar  um “desenvolvimento local sustentável”.
            Objetiva-se, também, enfocar os processos envolvidos na formação da cidadania, considerando a prática participativa dessas populações em fóruns diretamente relacionados à questão ambiental, cuja instituição foi possibilitada pela Constituição brasileira de 1988. Pretende-se contribuir para a reflexão sobre os processos envolvidos na construção coletiva de um novo projeto de gestão democrática e participativa, em que os “cidadãos”, “autônomos” (CASTORIADIS e COHN-BENDT, 1981), sejam capazes de deliberar sobre seu destino comum e reorientar os rumos assumidos pelas relações entre si e com o seu ambiente.
           
CONSIDERAÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS
            Segundo uma abordagem processual, integrada e holística, o ambiente é enfocado em sua complexidade (MORIN, 1997) e relatividade (INGOLD, 2000). Adota-se uma perspectiva temporal e relacional, que busca identificar os processos sociais que sustentam os significados envolvidos  no campo da gestão ambiental. A sociedade é considerada um sistema “dinâmico, desordenado e aberto” (BARTH, 2000), constituído pelas interações entre os atores, que produzem “respostas ativas” e próprias às circunstâncias impostas pelas pressões sociais.
            O instrumental metodológico da abordagem antropológica permite “relativizar”, “desnaturalizar”, certos conceitos teóricos usados pelas Ciências Sociais, tais como os conceitos de “natureza”, “cidadania”, “direito ambiental”, “participação”, centrais à análise dos processos de construção do ambiente. Pretende-se compreender a “tradução” de tais conceitos em termos das visões e conhecimentos locais, considerando os processos sociais que afetam a área em estudo e as múltiplas perspectivas de atores diferentemente posicionados, que utilizam tais concepções de acordo com suas tradições culturais e experiências históricas. A vivência dos processos relacionados à implantação da UC e o confronto dos valores locais com aquelas categorias, trazidas no bojo desse processo, faz aflorar as suas capacidades de “criação” e de “improvisação”, adequando tais conceitos aos seus interesses e valores e promovendo, assim, sua “indigenização” (SAHLINS, 1997).

A IDENTIFICAÇÃO DOS PROCESSOS E DOS ATORES SOCIAIS
            A APA de Macaé de Cima pode ser considerada um exemplo dos possíveis e diferentes processos locais assumidos diante do fenômeno global de degradação ambiental e do conseqüente processo de “ambientalização” (LOPES, 2006) da sociedade,  a partir dos anos 1970,  foi configurando o “meio ambiente” como uma questão pública,  originando novos códigos de conduta e regulamentações, para prevenção de “riscos”, definidos por especialistas, legitimados pelo conhecimento científico, que, muitas vezes, não são percebidos enquanto tais pelos atores envolvidos na situação. Foram criadas políticas públicas ambientais (VIEIRA, 2001), baseadas, dentre outros instrumentos, na criação de “áreas protegidas”, para proteger a biodiversidade in situ, realizada, muitas vezes, em espaços “rurais’”, vistos como “naturais”, sem levar em consideração as populações que lá viviam.
            A APA de Macaé de Cima localiza-se na região Serrana do Estado do Rio de Janeiro, abrangendo boa parte das nascentes da Bacia Hidrográfica do Rio Macaé (RJ),  na Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, estabelecida pela UNESCO (RAMBALDI, 2003). É considerada pelos órgãos públicos ambientais, orientados por pareceres técnico-científicos, fundamental para a formação de um corredor de biodiversidade na Serra do Mar, que propicie interconexões entre fragmentos menores das serras litorâneas e do Vale do Paraíba, facilitando, assim, a dispersão de espécies e a recolonização de áreas degradadas (RAMBALDI, 2003). Boa parte desta mata não é mais primária, mas apresenta diversos estágios de sucessão de recomposição, sendo fruto de um longo processo histórico de manejo humano de espécies vegetais e animais. Nas altitudes mais elevadas, nas áreas das nascentes do Rio Macaé, ainda podem ser encontrados remanescentes da Floresta Ombrófila Densa, preservados pelas dificuldades de acesso.
            A bacia do rio Macaé (AMADOR, 2003) abrange uma área de aproximadamente cerca de 1765 km²; é a maior bacia exclusivamente estadual em termos de extensão. Suas nascentes, em grande, parte, estão localizadas no município de Nova Friburgo. Apesar de sua extrema importância ambiental, em termos de riqueza de recursos hídricos, biodiversidade e geodiversidade, vem sofrendo sérias ameaças à sua preservação, pois nela coexistem uma demanda crescente por recursos hídricos e intensas pressões antrópicas sobre as áreas marginais dos cursos d’água, que podem afetar a qualidade e a quantidade da água disponível.  Sua gestão requer grande complexidade e visão sistêmica, pois envolve vários municípios, diferentes realidades socioambientais e diversos tipos de usos do solo, como as áreas das nascentes do Rio Macaé, na Região Serrana, e a zona de planícies costeiras e estuarina, onde predominam as áreas urbanas e existem grandes empresas instaladas na cidade de Macaé e preocupadas em garantir a qualidade e a quantidade de seus recursos hídricos, como a Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobrás) e as Usinas Termoelétricas Norte Fluminense e Mário Lago. Macaé concentra 85% da produção petrolífera nacional e 47% da produção de gás, extraídos da Bacia de Campos, ocupando cerca de 46 mil pessoas; sua economia cresceu 600% nos últimos dez anos[6]. Atualmente, as águas do rio Macaé também são usadas, principalmente, para o turismo, esporte e lazer, para a irrigação, para a geração de energia elétrica, bem como para a diluição de despejos domésticos, industriais e agrícolas, o que causa sua degradação. Um dos grandes desafios da gestão da Bacia do Rio Macaé é evitar que os interesses das zonas urbanas, politicamente mais poderosas em termos econômicos e populacionais, não predominem sobre os interesses da Região Serrana,  relativamente menos poderosos, porém, determinantes para a manutenção da quantidade dos recursos hídricos da Bacia, pois são as áreas produtoras de água.
            O alto da Bacia do Rio Macaé, desde o século XIX, foi ocupado por pequenos e médios agricultores familiares, muitos descendentes dos imigrantes suíços e alemães “colonizadores” de Nova Friburgo, que para lá se deslocaram, em busca de terras mais favoráveis ao cultivo do café, já praticado em larga escala nas regiões vizinhas. Desenvolveram uma pequena e média agricultura de base familiar, dedicada à cafeicultura, à produção de subsistência e à criação de bois, aves e porcos (MEYER e ARAÚJO, 2003). Com a decadência do café, nos anos 1930/40, passaram a ser cultivados o inhame e a banana; muitas áreas antes produtivas foram abandonadas, permitindo seu reflorestamento, ou foram transformadas em pastagens. A abertura de estradas de terra, no final dos anos 1950, facilitou o acesso à sede do município,  antes feito por trilhas para cavalos ou burros. Os agricultores passaram, então, a cultivar tomate, pimentão, batata, inhame, banana, dentre outros, numa região que, até os anos 1980, era incluída no chamado “cinturão verde”, que abastece a área metropolitana do Rio de Janeiro (MUSUMECI, 1987). 
            O relativo isolamento foi rompido, nos anos 1980, pela pavimentação asfáltica da rodovia RJ-142, trecho Muri-Lumiar, e pela eletrificação da maior parte da região; estimulando o início do desenvolvimento turístico. Em 2006, o trecho Lumiar-Casimiro de Abreu da rodovia RJ-142 -  Estrada Serramar -  foi asfaltado. Desde  então, iniciou-se intenso e acelerado processo de transformações sociais, econômicas, culturais e espaciais. Além dos turistas, chegaram novos moradores, fugindo dos centros urbanos e em busca de “formas alternativas” de vida. As atividades agropecuárias foram sendo gradualmente substituídas por atividades ligadas ao turismo, à construção civil, à prestação de serviços e ao comércio, como principais fontes de renda para seus antigos moradores, que, “de lavradores se tornaram cortadores de grama” (SÁ REGO, 1988). Muitos agricultores procuraram combinar as tradicionais com as novas oportunidades de renda e trabalho, constituindo unidades familiares que se caracterizam pela pluriatividade (CARNEIRO, 1998). 
            O crescimento populacional e a vinda de novos moradores de origem urbana redefiniram os processos de ocupação e de uso do solo; a especulação imobiliária provocou a fragmentação das propriedades e uma transferência parcial da propriedade da terra. Muitos imóveis alteraram suas funções agrícolas para se tornarem residências, sítios de veraneio ou pousadas, locais de consumo e de “contemplação da natureza”, em vez de produção, gerando novos valores e configurações territoriais. Desenvolveu-se um novo modo de regulação das formas de consumo da natureza, associado ao espaço rural (MATHIEU e JOLLIVET, 1989), que se soma à ‘apropriação utilitária’, feita pelos produtores rurais; instaurou-se um usufruto ‘desinteressado’, informado pela sensibilidade artística ou pela compreensão científica (CHAMBOREDON, 1985), muitas vezes conflitante com os valores tradicionais locais. Configuraram-se, assim, novas “ruralidades”, desencadeando o surgimento de outras concepções sobre o “rural”, que não é mais necessariamente agrícola.
            Os processos de diferenciação e hierarquização social se acentuaram, em comunidades antes marcadas por relações de parentesco ou vizinhança. Constituíram-se novos ordenamentos nas relações sociais, expressos por mudanças nos modos de ser, viver e pensar de suas populações locais originais: pequenos produtores rurais, cuja identidade era garantida pelo compartilhamento de um modo de viver e, atualmente,  é influenciada pela e na interação com os turistas, com os novos moradores e com os agentes das instituições do mundo urbano industrial. Foram introduzidos hábitos, valores e tradições culturais, que passaram a interagir com os valores, costumes e saberes locais; formaram-se dois grandes grupos, segundo a percepção local: os “de fora” e os “do lugar”, cujas interações envolvem diferentes padrões de relações sociais, desde o conflito aberto, devido à intolerância de ambas as partes, à convivência profícua e respeitosa, que proporciona troca de saberes e crescimento mútuo.
            Também ocorreram impactos ambientais em áreas já degradadas por técnicas agropecuárias tradicionais, baseadas na queimada, no cultivo e na criação de animais em encostas e margens dos rios e no uso indiscriminado de agrotóxicos. Aumentaram os desmatamentos realizados para construção de imóveis e abertura de estradas, intensificando os processos erosivos das encostas e de assoreamento dos cursos d’água, crescentemente poluídos com esgotos e resíduos sólidos e que já vêm apresentando diminuição no seu volume hídrico.
            Por outro lado, a importância dos recursos hídricos e da biodiversidade da região despertou o interesse de organizações não-governamentais “ambientalistas”, governos e grandes empresas, provocando a introdução de várias novas regulamentações exteriores, relacionadas à “preservação ambiental” e ao “desenvolvimento sustentável”. O discurso ambientalista, veiculado pelos “novos” moradores e pelos meios de comunicação, ganhou destaque. Além disso, a partir dos anos 1990, os órgãos públicos ambientais passaram a intensificar a fiscalização e a multar, principalmente, os pequenos agricultores, muitas vezes de forma agressiva e autoritária, segundo relatos locais.  Em 2001, foi criada a APA em estudo. Estas novas regulamentações, valores e conhecimentos em interação com as tradições culturais locais vêm provocando o surgimento de intensos conflitos, relativos aos múltiplos interesses envolvidos.
            A transformação de uma região em “área de proteção ambiental”, ou em qualquer outro tipo de UC, implica uma alteração das formas de apropriação simbólica da natureza e a introdução de novos usos sociais do espaço (CHAMBOREDON, 1985), definidos pela interação de múltiplos agentes. Longe de ser definida por critérios “naturais”, uma UC é um “artefato cultural” (BARRETO, 2001), um “construto socionatural”, “instável e indeterminado”, “síntese entre natureza e cultura”, definido num dado contexto histórico, a partir de uma correlação de forças, orientada por critérios técnico-científicos dominantes. É uma regulamentação que impõe a visão do Estado (mais moldada pelas populações urbanas) de natureza e de ambiente, estabelecendo normas para o seu uso, diante da função ambiental atribuída a certas áreas, em nome de um “patrimônio coletivo”, por sua suposta importância “natural”, definida por “critérios científicos”. Esta visão pode entrar em choque com as necessidades e saberes locais, desqualificar as formas tradicionais de relação com a natureza e buscar substituí-las por outras, sem considerar o papel das populações rurais na formação dessa “natureza” (MATHIEU e JOLLIVET, 1989) e sua visão da terra como um espaço produtivo, de obtenção da sobrevivência. Isso aconteceu na criação da APA de Macaé de Cima.
            No entanto, a Lei do SNUC, seguindo o espírito da Constituição brasileira de 1988, estabelece que a criação e a implantação das UCs deve ser feita de forma participativa e que sua gestão pública e democrática, deve ocorrer por meio da constituição de conselhos (deliberativos ou consultivos),  que  incluam representantes do Poder Público, da sociedade civil organizada e dos atores econômicos. Estes conselhos, junto com outros instrumentos de gestão baseados na participação popular, são novos canais de participação, vistos com potencial para ampliar e consolidar a consciência crítica, a democracia e a cidadania (GOHN, 2001). Foram introduzidos pela Constituição Federal do Brasil, de 1988, elaborada no contexto de redemocratização do país, após o longo período ditatorial, com ativa participação dos movimentos sociais, de instituições e de associações da sociedade civil organizada. A Lei Magna instituiu os princípios da gestão descentralizada (municipalização), democrática e participativa, e a possibilidade da criação de organismos consultivos ou deliberativos, visando incluir setores mais amplos nos processos de discussão, decisão e elaboração das políticas públicas. No entanto, sua criação também expressa uma transformação da tradicional modalidade de “comando e controle” praticada pelos governos, no contexto do Globalismo (IANNI,1997) e da política econômica neoliberal.  Busca estabelecer novo tipo de relação governo-sociedade, instituindo “parcerias”, dividindo responsabilidades e criando instrumentos de participação “concedida” (BORDENAVE, 1994), mecanismos de governança (COZZOLINO, 2005), baseados no “envolvimento” e no “empoderamento” da sociedade, recomendados pelos organismos multilaterais internacionais, a partir do “fracasso” das experiências socialistas e da eclosão dos movimentos sociais, no final do século XX (LOPES, 1997).
            Além dos Conselhos das APAs, a região em estudo vem sendo afetada por muitos fóruns e processos com proposta participativa, tais como: os planos diretores do desenvolvimento urbano municipais, aprovados em 2006; as Agendas 21 municipais e locais; a Agenda 21-COMPERJ; na área da APA de Macaé de Cima, o Arranjo Produtivo Local (Governo estadual, Sebrae e órgãos locais); Conferências municipais, regionais, estaduais e nacionais de Meio Ambiente e de Desenvolvimento Rural Sustentável, dentre outras; Conselhos municipais de Meio Ambiente; Comitê de Bacia Hidrográfica dos Rios Macaé e das Ostras...Todos esses processos vêm introduzindo novas regulamentações, saberes e valores no cotidiano dos grupos envolvidos, que respondem de formas diversificadas, de acordo com suas respectivas experiências históricas e tradições culturais, gerando confrontos entre os múltiplos atores em defesa de seus respectivos interesses.

A PARTICIPAÇÃO DOS PRODUTORES RURAIS NO PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO DA APA DE MACAÉ DE CIMA
            Apesar de ter sido criada em 2001, a composição do Conselho Consultivo da APA de Macaé de Cima só foi definida pelo decreto nº 38234, de 2005 e ele só começou a se reunir em 2006. Durante o ano de 2006, as reuniões bimestrais do Conselho, presidido pela Fundação Estadual de Engenharia e Meio Ambiente (FEEMA)- órgão encarregado da fiscalização, controle e licenciamento ambiental no Estado - foram marcadas por manifestações do conflito latente existente na região entre dois grandes grupos: os “de fora” e os “do lugar”, “da terra”, envolvendo o confronto entre diferentes valores, interesses e forças que constituem o meio sócio-ambiental local.  Os principais atores do conflito eram, por um lado, o então órgão gestor da APA e o autodenominado “Grupo Pró-APA de Macaé de Cima”, formado pelos “novos” moradores e ambientalistas, e, por outro lado, os “pequenos produtores rurais”, que não aceitam a criação desta UC. . Assumindo a identidade de “população tradicional” e a luta em defesa do “direito de decisão” em relação às suas propriedades e ao território por eles ocupado há muitas gerações, estes demonstram preocupação com sua sobrevivência, pois consideram que as novas leis ambientais inviabilizam a reprodução de sua condição de produtores rurais.
            Um dos principais pontos de discórdia é a problemática da queimada, no contexto do discurso relativo às mudanças climáticas, em que ela é responsabilizada pela emissão dos gases estufa, bem como pela redução da biodiversidade e empobrecimento dos solos, constituindo-se num dos principais focos da ação punitiva dos órgãos de fiscalização ambiental. Técnica tradicional de cultivo das regiões tropicais, praticada há inúmeras gerações, é por eles considerada como a maneira menos cansativa para se limpar o terreno em áreas de encostas, e tem sido responsável pela destruição de muitas matas ciliares. Os conflitos entre os pequenos produtores rurais dessa região e os órgãos fiscalizadores já se manifestavam antes mesmo da criação da APA (ROZEMBERG, 2004), diante da ação truculenta e autoritária do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (IBAMA) e do Batalhão Florestal - orientados pelo Código Florestal e pela Constituição de 1988, que define a existência das áreas de preservação permanentes (APP)-  responsável inicial pela rejeição ao discurso ambientalista, agravada pela criação da APA de Macaé de Cima, vista por eles como um “ato autoritário e realizado sem consulta à população local”.
            É interessante observar que a categoria “populações tradicionais” (SANTILLI, 2005) assumiu, no caso em estudo, uma dimensão política estratégica, pois foi acionada no processo de confronto e luta desse grupo pela construção e afirmação de sua identidade pública, específica, em oposição à sociedade mais ampla. Os agricultores da região da APA de Macaé de Cima procuram obter seu reconhecimento oficial como uma “população tradicional”, o que lhes garantiria “direitos”  no uso de suas propriedades, segundo as novas leis[7]. Para eles, ser “da terra” lhes possibilitaria uma posição privilegiada quanto ao direito de decisão em relação ao meio ambiente local. Assumiram também a categoria “rural” como suporte de sua identidade, definidora de seu lugar próprio no mundo social. Organizaram movimentos reivindicatórios junto aos representantes políticos dos legislativos municipais e estaduais; criaram um movimento social - a “União das Famílias da Terra (UFT)” - e moveram ação junto ao Ministério Público contra o governo estadual, pedindo o fim da APA. No segundo semestre de 2008, foram espalhados pela região, principalmente no 5º distrito, placas e adesivos da UFT, que se apresenta como “a voz da população tradicional”. Eles vêm constituindo-se, assim, como ator coletivo reconhecido, em busca da afirmação do que consideram ser seus direitos de cidadania, mudando sua relação com os outros grupos da sociedade e redefinindo o rumo da ação governamental.
            Novas perspectivas se delinearam para a efetiva implantação da APA de Macaé de Cima, após a mudança de governo estadual, em 2007, que redefiniu as políticas públicas ambientais e a atuação dos órgãos de gestão e fiscalização ambiental, orientados por uma  visão mais ligada ao socioambientalismo (SANTILLI, 2005): concepção que defende o envolvimento das populações na conservação da biodiversidade, ao contrário da postura preservacionista anterior, que desconsidera as populações e os interesses humanos. Durante o segundo semestre de 2007, intimado pelo Ministério Público e no bojo do Programa de Fortalecimento dos Conselhos de UCs administradas por ele, o Instituto Estadual de Florestas (IEF) realizou três oficinas (em São Pedro da Serra, Galdinópolis e Boa Esperança), financiadas pelo Projeto de Proteção à Mata Atlântica (PPMA/KFW), fruto de parceria entre o Brasil e a Alemanha, no segundo semestre de 2007, com o intuito de produzir um Diagnóstico Rápido Participativo e recompor o Conselho Consultivo da APA,  procurando adequá-lo aos interesses locais. No entanto, os membros da UFT se recusaram a participar das oficinas e pressionaram os outros moradores “da terra” a não comparecerem. Além disso, foram promovidas duas audiências públicas, comandadas pela Comissão de Agricultura da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, para discutir o problema dos produtores rurais, sua relação com a APA e buscar soluções que conciliassem seus interesses e as normas ambientais, na elaboração do Plano de Manejo e do Zoneamento desta UC. Paradoxalmente, a UFT não quis formalizar a existência de seu movimento, transformando-o numa associação oficial, que poderia participar do Conselho Consultivo da APA; mas aproveitaram a estrutura da Ação Rural de Lumiar, para viabilizar sua organização e comunicação. Atualmente, seus membros estão debatendo sobre a possibilidade de sua participação no Conselho,  formalizando a UFT ou por meio de outras associações, como Associações de Moradores. A disputa em relação à APA foi acentuada em contexto de eleição municipal, em que a UC foi um ponto essencial das campanhas entre os  candidatos locais à  Câmara Municipal e, mesmo, à Prefeitura Municipal de Nova Friburgo (PMNF).
            A PMNF destacou-se por sua omissão na gestão ambiental e é contrária à  APA de Macaé de Cima, por considerar que esta inibe o desenvolvimento econômico municipal. Alega que a preservação dessa região já está garantida pelo Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Municipal, que, no entanto, ainda não “saiu do papel”. Em 1990, a PMNF havia criado a reserva ecológica de Macaé de Cima, ocupando cerca de 7.000ha  (Decreto Municipal 156/1990), depois revogada.  Foi esta postura ambígua do poder público municipal que desencadeou, em 2001, a iniciativa de “novos” proprietários das localidades de Macaé de Cima e Rio Bonito, que pressionaram o então governador do Rio de Janeiro para a criação de uma UC estadual, menos sujeita às oscilações dos interesses municipais. No entanto, a criação dessa UC foi realizada sem consulta pública, exigida pela Lei do SNUC, e com total desconhecimento da enorme maioria dos moradores da região.
             Somente em Junho de 2008, a equipe do IEF retomou os trabalhos de reconstrução do Conselho Consultivo, abrindo inscrições para as instituições que quisessem participar. Em Setembro de 2008, foi realizada nova reunião, quando foram apresentados os resultados do diagnóstico rápido participativo, obtidos nas oficinas realizadas em 2007 e, em Novembro de 2008, ocorrerá a reunião para definir a nova composição do Conselho Consultivo.
            Os agricultores não compreendem porque devem pagar os custos dos impactos ambientais causados pelos “outros”, moradores de regiões urbanas e industrializadas. Eles se sentem “injustiçados”, “punidos, por terem preservado as matas na região”, enquanto “o resto do mundo destruía a natureza”, pois estão lá, plantando, há mais de cem anos, e, graças ao seu sistema tradicional de cultivo,  baseado no pousio, são os responsáveis pela presença das matas na região. O conflito também se manifesta por uma suposta oposição de “classe”, porque os agricultores se colocam como “pobres”, “pequenos proprietários” em oposição aos “ambientalistas” e “novos moradores”, vistos como “ricos”, detentores de recursos financeiros, materiais e políticos. Mas boa parte desses agricultores possui poupanças expressivas, constituindo uma “classe média” rural, numa região relativamente próspera.
            Por sua vez, muitos membros do “Grupo Pró-APA” consideram-nos “atrasados” e “anti-ambientalistas” e afirmam que suas resistências estão sendo estimuladas por interesses  mais amplos, desqualificando seu potencial de luta, conforme visão preconceituosa dominante que desqualifica o morador da zona rural, visto como “ignorante”, “atrasado”, dominado por “superstições” e pelo “fatalismo” religioso. No entanto, estes “agricultores” vêm constituindo-se enquanto novos atores políticos, lutando por seus interesses e acionando aquelas que geralmente são consideradas “práticas ativas de cidadania”, em nome de seus “direitos”. Conseguiram, desta maneira, impedir a continuidade do processo de implantação da APA de Macaé de Cima, tal como vinha sendo conduzido pelo órgão gestor estadual, e estão buscando adequá-lo aos seus interesses e perspectivas. Assim, aquilo que estava sendo encarado pelos “defensores do meio ambiente” como “conservadorismo” e “falta de consciência ambiental” dos agricultores revelava, na verdade, uma visão “preconceituosa”, desconhecedora dos seus interesses e visões. Eles vivenciaram a seu modo o processo de ambientalização, promovendo uma indigenização (SAHLINS, 1997) do discurso político e ambiental dominante, adequando-o às suas necessidades e interesses. Os “produtores rurais” da APA de Macaé de Cima desenvolveram práticas características do que se considera ser uma “cidadania pró - ativa”, pois conseguiram impedir o processo de implantação da APA tal como vinha sendo efetivado, buscando redefini-lo segundo suas perspectivas. No entanto, apesar de sua causa ser legítima, ela também vem sendo manipulada por interesses ligados à especulação imobiliária e à construção civil e por divergências políticas entre os governos estadual e municipal.
            Evidenciou-se, assim, a complexidade do conceito teórico e da categoria política  cidadania, relacionada aos seus múltiplos sentidos, assumidos em cada situação concreta, pois o que um determinado grupo considera ser seu “direito”, ou entende por “cidadania” e “participação”, pode ser diverso da visão de outro grupo. A cidadania envolve uma dimensão simbólica, relacionada a valores e significações socialmente estabelecidos; refere-se à identidade social dos indivíduos, constituída por suas interações com o Estado e com os outros atores sociais. A partir de um significado dominante geral, na prática, ela pode assumir diferentes formas e conteúdos, sendo retraduzida pelos diferentes grupos, conforme suas posições sociais, tradições culturais e experiências históricas de participação social e política.

CONSIDERAÇÔES FINAIS
            O sucesso da implantação da APA de Macaé de Cima depende da efetiva inclusão dos atores locais organizados no seu Conselho, que deve assumir um caráter deliberativo e, não somente, consultivo, para se constituir num instrumento de emancipação e de construção de autonomia e não num mecanismo de controle da participação popular. Para isso, são necessários processos dialógicos de Educação Ambiental, que sensibilizem a população para a necessidade da conservação ambiental e lhes forneçam os instrumentos necessários (códigos, ferramentas e informações) à sua prática participativa autônoma. 
            Além disso, a elaboração do Plano de Manejo deve efetivamente procurar articular uma rede sociotécnica, envolvendo troca de saberes entre os atores locais e os gestores dos órgãos ambientais, considerando os valores e interesses dos primeiros, além dos critérios técnicos e científicos,  na definição das ações e regulamentações implementadas.  É fundamental o desenvolvimento de políticas públicas relacionadas à oferta de alternativas de geração de renda, sob uma perspectiva sustentável, como as diferentes técnicas de agroecologia (sistemas agro-florestais, agricultura orgânica, etc), cultivo de ervas, diversas modalidades de turismo (ecoturismo, turismo rural, turismo de aventuras, geoturismo),  envolvendo capacitação da mão de obra e oferta de subsídios técnicos e financeiros. Também devem ser criados e aplicados na região instrumentos econômicos indutores de conservação ambiental, tais como pagamentos pelos serviços ambientais relativos à produção de água, mecanismos relativos ao mercado de carbono e o ICMS verde.
            A análise dos processos envolvidos na implantação das APAs em estudo pode ser um importante subsídio para a gestão participativa de outras UCs, que deve enfrentar o grande desafio de considerar os anseios e perspectivas das populações que nelas residem, principalmente aquelas ligadas à pequena produção agrícola familiar, geralmente, desvalorizadas e marginalizadas pelas políticas públicas. Além disso, o êxito de qualquer experiência de implantação de UC depende da efetivação de possíveis alternativas de atividades geradoras de trabalho e de renda para as populações envolvidas, mas que estejam de acordo com suas aspirações e valores culturais, assim como com a legislação ambiental. No entanto, enquanto o Estado brasileiro for caracterizado pelo autoritarismo (explícito e implícito), por práticas clientelísticas e pela defesa dos interesses privados, existirão muitos obstáculos para uma participação popular efetivamente democrática, nos diferentes níveis e instâncias da vida social, possibilitadora da construção de uma sociedade sócioambientalmente justa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMADOR, A. B. Qualidade das águas da bacia do alto Rio Macaé, Nova Friburgo-RJ. 2003. Dissertação. (Mestrado em Geografia) – Programa de Pós-Graduação em Geografia. Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro.
BARRETTO FILHO, H. T. Da nação ao planeta através da natureza: uma abordagem antropológica das unidades de conservação de proteção integral na Amazônia brasileira.  Tese de doutorado.  São Paulo: USP/PPGAS/FFLCH, 2001.
BARTH, F. (Org. Tomke Lask). O guru, o iniciador e outras variações antropológicas. Rio de Janeiro, Contracapa, 2000.
BORDENAVE, J.C. O que é participação. São Paulo: Brasiliense, 1994.
CARNEIRO, M. J.. Ruralidade: novas identidades em construção. Estudos Sociedade e Agricultura, 11, outubro de 1998.
CASTORIADIS, C. e CONH-BENDIT, D. Da ecologia à autonomia. São Paulo: Brasiliense, 1981.
CHAMBOREDON, J.C. La ‘naturalisation’ de la campagne: une autre maniére de cultiver les ‘simples’. In: CADORET, A. Protection de la nature: histoire et idéologie. Paris, L’Harmmatan, 1985.
COZZOLINO, L.F. Unidades de conservação e desenvolvimento local: as APAs do Rio de Janeiro e seus processos de governança local. Dissertação de Mestrado. Programa EICOS/UFRJ, 2005. Disponível em <http: www.ebape.fgv.br/radma>; consulta em 14/01/2006.
GOHN, M. da G. Conselhos Gestores e Participação Sociopolítica. São Paulo:Cortez, 2001.
GUTIÉRREZ, F. e PRADO, C. Ecopedagogia e cidadania planetária. São Paulo: Cortez, 2002.
INGOLD, T.  “Culture, nature, environment: steps to an ecology of life” e “Building, dwelling, living: how animals and people make themselves at home in the world”. In:_______ The Perception of the Environment: Essays in Livelihood, Dwelling and Skill. London: Routledge, 2000.
LOPES, J. S.L. Sobre processos de “ambientalização” dos conflitos e sobre dilemas da participação.  Horizontes Antropológicos. Porto Alegre, ano 12, n.25, jan./jun., 2006.
MATHIEU,N. e JOLLIVET, M. (Orgs). Du rural à l’environnement: la question de la nature aujourd’hui. Paris, L’Harmmatan, 1989.
MAYER, J.. e ARAÚJO, J. de. Teia serrana: formação histórica de Nova Friburgo. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 2003. 
MORIN, E. Complexidade e ética da solidariedade. In: CASTRO, G. (org.) Ensaios de complexidade. Porto Alegre: Sulina, 1997.
MUSUMECI, L.. Pequena produção e modernização da agricultura: o caso dos hortigranjeiros no estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, IPEA/INPES, 1987.
RAMBALDI, D.M. A Reserva da Biosfera da Mata Atlântica no Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: CNRBMA, 2003.
REGO, V. V.B.S. Mundos em confronto: o desenvolvimento do capitalismo e a educação numa comunidade camponesa. Dissertação de Mestrado, PUC/RJ, 1988.
_____________________. Algumas reflexões sobre um Conflito na Área de Proteção Ambiental de Macaé de Cima. II SAPIS. Rio de Janeiro, Programa Eicos/UFRJ, 2006.
ROZEMBERG, B. Conflito entre interesses agrícolas e ambientalistas nas localidades rurais de Nova Friburgo,Rio de Janeiro. In: MINAYO, M.C. de S. e COIMBRA JR, C.E.A. (orgs). Críticas e Atuantes: ciências sociais e humanas em saúde na América Latina. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2005.
SAHLINS, M..O “pessimismo sentimental” e a experiência etnográfica: por que a cultura não é um “objeto” em via de extinção( parte I). Mana 3/2 (Estudos de Antropologia Social), abril/97. Rio de Janeiro: PPGAS/Museu Nacional, UFRJ/Ed. Contracapa, 1997.
SANTILI, J. Socioambientalismo e novos direitos.Proteção jurídica à diversidade biológica e cultural. Brasília: IEB, 2004.
VIEIRA,L. Os argonautas da cidadania: A sociedade civil na globalização. Rio de Janeiro: Record, 2001.


[1] Socióloga, Professora da UCAM-Nova Friburgo e da rede pública-RJ; Mestre em Educação (PUC-RJ) e Doutoranda do PPGMA - UERJ
[2] A Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei do SNUC - Lei nº 9.985/2000) estabelece dois grupos de unidades de conservação: o grupo de unidades de proteção integral (Estação Ecológica; Reserva Biológica; Parque Nacional; Monumento Natural; Refúgio da Vida Silvestre), em que só é permitido o uso indireto dos recursos naturais) e  o grupo das unidades de uso sustentável (Área de Proteção Ambiental; Área de Relevante Interesse Ecológico; Floresta Nacional; Reserva Extrativista; Reserva de Fauna; Reserva de Desenvolvimento Sustentável e Reserva Particular do Patrimônio Natural), que têm como objetivo compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parte de seus recursos naturais. A Área de Proteção Ambiental é definida como “uma área em geral extensa, com um certo grau de ocupação humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais, especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas, e tem como objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais”, podendo ser constituída por terras públicas ou privadas.
[3] A pesquisa intitula-se “Paraísos perdidos ou preservados? A conquista da cidadania em áreas de proteção ambiental”, orientadora: Rosane M.Prado e co-orientadora: Mariza C.Rocha.
[4]Um cidadão com capacidade de vigiar e participar na instrumentação das políticas públicas e com um projeto próprio para alcançar uma manipulação de recursos naturais mais racional e eqüitativo, e um entorno mais “habitável”, comprometido com a ‘planetariedade’” (GUTIEERREZ E PRADO, 2002, p.16).

[5] As UCs devem ser criadas precedidas de consulta pública e  devem possuir um conselho gestor, com caráter consultivo, no caso de UC de proteção integral, segundo a Lei do SNUC,  ou com caráter consultivo ou deliberativo, segundo o Artigo 17º do  Decreto nº 4.340/2002, que regulamenta a Lei do SNUC.

[6]  Dados obtidos no site da Prefeitura Municipal de Macaé: www.pmmacae.gov.br; acesso em 10/08/2008.

[7] Lei da Mata Atlântica – Lei n º 11.428/2006 – e Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais –Decreto nº 6.040/2007.